O que fez Todo Mundo Odeia o Chris ser um sucesso no Brasil?

Todo Mundo Odeia o Chris foi uma série de comédia transmitida entre 2005 e 2009, baseada na vida do comediante Chris Rock, que também é o narrador, produtor executivo e criador do show ao lado de Ali LeRoi. Foi originalmente transmitida pela CW nos EUA, ou seja, assim como Brasil, exibida em sinal aberto.

Contudo, se você fizer uma enquete, pesquisar em redes sociais ou fóruns norte-americanos, dificilmente você verá alguém mencionando o show. Já aqui no Brasil, a situação é totalmente inversa. Você vê com frequências pessoas compartilhando cenas e memes da série, além de sempre ser lembrada como uma das melhores séries de comédia em enquetes. Mas então, o que fez Todo Mundo Odeia o Chris ser um sucesso no Brasil? Vamos tentar responder.

Identificação

Grande parte das sitcoms norte-americanas são protagonizadas por personagens de classe média, que de forma geral, possuem uma vida tranquila, enfrentando problemas o qual muitas vezes o pessoal chama de White People Problems. Os personagens passam a maior parte do tempo com seus amigos em bares (How I Met Your Mother), cafeterias (Friends) ou em então com suas famílias nas suas casas enormes (Modern Family). Não estamos dizendo que essas outras séries são ruins, mas é uma realidade na maior parte das vezes irreal até mesmo para a classe média brasileira, que é bem diferente da estadunidense, então imagine para quem nem classe média é no Brasil.

Enquanto isso, na contramão, Todo Mundo Odeia o Chris é um retrato de uma realidade bem menos charmosa e glamorosa, pois sua família tem dificuldades financeiras, vive em um bairro perigoso, os adolescentes precisam trabalhar desde cedo. Temos personagens que frequentam escolas públicas, não escolas de primeira linha, pegam ônibus, não táxis. Além disso, você provavelmente conhece alguém que lembre o temperamento da Rochelle ou então o estilo mão de vaca como o Julius, personagens interpretados de forma icônica por Tichina Arnold e Terry Crews. Basicamente a série mostra o cotidiano da família Rock em Bed-Stuy, mas também poderia ser o de uma família brasileira em alguma cidade do Brasil.

TV Aberta e Dublagem

O fato da série passar na TV aberta dublado (ótima dublagem, diga-se de passagem) também foi algo fundamental para o sucesso do show, pois a TV fechada era algo de pouco acesso para a maior parte dos brasileiros na época que esteve no ar e a Record logo se prontificou em trazer para a sua grade de programação ainda em 2006, 1 anos após seu lançamento nos EUA. E mesmo com o seu fim, a série seguiu sendo reprisada, pois simplesmente continua dando audiência até hoje.

Entretanto, é preciso fazer justiça e não colocar todo sucesso apenas no fato dela passar em sinal aberto, pois diversas outras séries norte-americana passaram em emissoras da TV aberta e não fizeram o mesmo sucesso. E mesmo entre outras séries de fora que ficaram populares no Brasil, como Um Maluco no Pedaço e Eu, a Patroa e as Crianças, Todo Mundo Odeia o Chris é a que continua mais relevante e lembradas pelos fãs brasileiros até hoje, tendo grandes grupos nas redes sociais, que chegam a passar de 200 mil membros e outros mais focados em memes, como Sucodefrutapostagem – Brooklyn 1987.

Narração

Mesmo com identificação e passando na TV aberta dublado, o sucesso de Todo Mundo Odeia o Chris não seria possível sem a grande qualidade do programa, que tem diversos aspectos que merecem ser ressaltados.

O primeiro, que é algo bem característico e pessoal da série, é o fato dela conter narração do Chris Rock durante todos os episódios. E não é apenas um narrador comum, é o cara que que realmente viveu parte daquelas situações que estão sendo exibidas e que é um comediante, ou seja, ele consegue fazer comentários únicos e engraçados sobre o que está sendo exibido. Quantas outras séries possuem isso?

Humor e Racismo

O humor da série é ácido, com diversas críticas ao racismo, o que não poderia ser diferente, já que é uma série do Chris Rock, conhecido justamente por esse tipo de humor no seu stand-up. Bem provável que, nos dias de hoje, muitos iriam reclamar de lacração ao ouvir o narrador dizendo que o sucesso na vida depende de ser esforçar e ser branco. Mas apesar de ácido, o humor crítico é feito de forma leve, o que permitiu que mesmo crianças assistissem, apesar de que muitas não entendessem muitas dessas críticas quando assistiram. Isso também é algo bom, pois permite que você reveja a série quando mais velho e interpreta muitas cenas de maneira diferente.

Mas além desse humor crítico, a série também tem aquelas cenas nosense, que são espécies de esquetes no meio dos fatos que realmente aconteceram. Normalmente se passando na mente dos personagens ou mostrando suposições do narrador do que poderia ter acontecido e são geniais da maneira que foram feitas, além de muito engraçadas. Como não gostar do Julius dando um tiro de bazuca no Chris por ele ter surtado após a mãe ter pedido pra tirar a mesa ou então a cena mostrando o que aconteceria se eles tivessem armas em casa? Não podemos dizer que é uma surpresa esse tipo de humor fazer sucesso no Brasil, pois não só filmes e programas norte-americanos fizeram sucesso aqui com esse tipo de humor, mas programas brasileiros, como Casseta e Planeta, por exemplo, faziam coisas com uma pegada semelhantes à essa.

Família, Amizade e Adolescência

Alinhado com o bom humor, Todo Mundo Odeia o Chris também sempre conseguiu tratar bem de temas sérios. No meio de tantas cenas engraçadas, a série também é muito competente em fazer retrato bem sincero sobre uma jornada de amadurecimento do Chris e todos os conflitos que nesse período, tratando de assuntos pesados que vão desde racismo, drogas e bullying até coisas mais simples, como dar o primeiro beijo em uma garota.

E mesmo com todos conflitos com os pais e irmãos, algo que toda família tem, a série sempre passou uma mensagem sobre a importância da família e também dos sacrifícios que muitas vezes nossos pais precisam fazer ou nós mesmo que temos que fazer. E assim como a família, a amizade é igualmente retratada com importância por meio da relação do protagonista com o Greg, formando uma dupla inseparável, mesmo com os dois tendo vidas totalmente diferentes.

Frases marcantes e bordões

Outra coisa que não pode passar batido é como as frases da série conseguem ser tão marcantes e icônicas a ponto de você conseguir sempre se lembrar. Aí entra não somente o mérito dos criadores da série, mas também dos dubladores que conseguiram adaptar de ótima forma para o Brasil. Algumas são frases que só acontecem em um episódio ou outro, como “Cara, ela tá tão na sua” do Greg ou o “Achou que eu tava brincando?” do Julius, já outros são basicamente bordões usados várias vezes pelos personagens ao longo da série, como “Trágico” do Sr. Omar ou o clássico “Eu não preciso disso, meu marido tem 2 empregos” da Rochelle.

Referências

Outro ponto alto são as referências aos anos 80, que os produtores tiveram o cuidado de colocar diversas vezes, seja pela música ou o cinema. Temos um episódio que Chris e Greg matam a aula para assistirem Os Caça-Fantasmas, já outros eles simplesmente fazem paródias geniais de clássicos, como O Poderoso Chefão e O Exterminador do Futuro.

Também temos algumas referências que são menos explícitas, mas muito boas se percebidas. Uma delas é o do episódio em que a Rochelle é assaltado no ônibus e ela conversa com uma mulher que diz que terminou com seu noivo, pois ele queria ser diretor de cinema. Na sequência ela fala que o nome dele era Shelton, mas os amigos o chamavam de Spike [Lee].

Enfim, são alguns dos motivos em que nossa opinião fizeram a série ser um sucesso no Brasil. Você adicionaria mais algum? Todo Mundo Odeia o Chris está disponível na Prime Video e GloboPlay no Brasil.